sábado, 12 de setembro de 2009

ODE A LISBOA


Lisboa
geométrica menina
nas roupagens antigas
comque te vestiram,
de estopa em Alfama
de rendas em Belém.
Vejo-te,
no Tejo de águas sujas
onde molhas os pés
mas já não lavas o rosto.
Ouço-te,
nos teus bairros,
no pregão dos teus ambulantes,
na disputa das tuas gentes
que te fizeram criança.
Cheiro-te,
não o cheiro dos mangericos
no Santo António,
ou do rosmaninho,
na Semana Santa,
que esses
são cheiros de pouca dura,
mas esse cheiro,
intenso, constante, diferente,
o cheiro do teu dia a dia,
dos teus mercados,
do teu metro
esse túnel que te esventra,
dos teus transportes públicos,
dos escapes desses monstros
que te cruzam
incessantes.
Sinto-te,
na azáfama dos teus transtejos,
dos teus comboios,
de tudo o que despeja em ti
essa linfa que te corre nas veias.
Não te percorro,
corro-te
na loucura das tuas luzes
verdes, vermelhas,
quase sempre amarelas,
que cortam o fluir constante
das tuas artérias.
Acotovelo-te,
empurro-te,
vivo-te
na onde borbulhante que te percorre
as nove, às doze e às seis da tarde,
amálgama de gente que te recorda,
velha,
na criança que és,
Lisboa.
Passeio-te
indiferente,
rindo às vezes de outras gentes
que descobre em ti o que eu não vejo,
porque te olho sempre.
Assisto,
sem sentir,
ao teu crescer desgrenhado,
desordenadamente alinhado,
num espreguiçar de vestido mal talhado,
que te deixa,
remendona,
em tudo igual às trapeiras
que, em tempos,
te cruzavam ao amanhecer.
Mas quando à noite
o sangue nas tuas veias se acalma
e eu posso olhar-te serenamente,
descubro em ti,
latentes,
pequenas maravilhas que ofereces
a quem diariamente por ti passa.
Então,
olhando o teu castelo milenário,
mudo,
inerte,
recortado contra o azul negro do teu céu
polvilhado de prata,
eu sinto,
como na lenda de Ataualpa
o Inca,
que não morrerás nunca
e quando o primeiro raio de sol da manhã
te beijar,
docemente,
tu reviverás
Lisboa
(1992-1993)

3 comentários:

Ana Camarra disse...

Akhen

Está muito bem!

Existem poesias letras sobre Lisboa que para mim dizem tudo, uma é "Lisboa que amanhece" do Sérgio Godinho


"Cansados vão os corpos para casa
Dos ritmos imitados doutra dança
A noite finge ser
Ainda uma criança de olhos na lua
Com a sua
Cegueira da razão e do desejo

A noite é cega, as sombras de Lisboa
São da cidade branca a escura face
Lisboa é mãe solteira
Amou como se fosse a mais indefesa
Princesa
Que as trevas algum dia coroaram

Não sei se dura sempre esse teu beijo
Ou apenas o que resta desta noite
O vento, enfim, parou
Já mal o vejo
Por sobre o Tejo
E já tudo pode ser
Tudo aquilo que parece
Na Lisboa que amanhece


O Tejo que reflecte o dia à solta
æ noite é prisioneiro dos olhares
Ao Cais dos Miradoiros
Vão chegando dos bares os navegantes
Amantes
Das teias que o amor e o fumo tecem

E o Necas que julgou que era cantora
Que as dádivas da noite são eternas
Mal chega a madrugada
Tem que rapar as pernas para que o dia
Não traia
Dietriches que não foram nem Marlénes

Em sonhos, é sabido, não se morre
Aliás essa é a Única vantagem
De após o vão trabalho
O povo ir de viagem ao sono fundo
Fecundo
Em glórias e terrores e aventuras

E ai de quem acorda estremunhado
Espreitando pela fresta a ver se é dia
E as simples ansiedades
Ditam sentenças friamente ao ouvido
Ruído
Que a noite se acostuma e transfigura"

A tua mostraa tua versão de Lisboa em 92, engraçado eu se tiver que escrever sobre Lisboa é assim também, existe a lisboa da minha meninice, a Lisboa da minha Juventude, a Lisboa do trabalho, a Lisboa de agora.
Existe a Baixa, o Bairro Alto (Os 3 Pastorinhos) e as noites no Jamaica, do Hot Clube e outros locais.
Existe o Coliseu, os Teatros, o Jardim Zoologico que mostrei aos meus filhos, os museus, os sitios dolorosos de exames médicos, os locais de luta, o que é certo é que Lisboa é tudo isso e tem uma luz especial!


beijos

Ana Camarra disse...

Akhen

Manda lá os links do outro teu blogue, please!

beijos

Rosele disse...

Meu coração que é metade lusitano se alegrou muito com se poema...
Que vontade de conhecer a terrinha de meu pai...