quarta-feira, 30 de setembro de 2009

CARTA A ISRAEL



Oh Israel!
Quando te respondemos
com pedras,
às armas dos soldados
que contra nós lançaste,
as pedras que atiramos
eram pequenos pedaços
daquele solo amado
que tu a nós roubaste.
Mas lembra-te,
oh Israel,
se porventura um dia
as pedras nos faltarem
na Palestina amada,
não penses,
oh Israel
vencida a Intifada.
Se nada mais houver
nesse impensado dia
para ser arremessado,
se as nossas mãos vazias,
da guerra calejadas,
no nosso chão sagrado
não encontrarem nada
para contra ti lançar,
estremece, oh Israel.
Cortaremos as mãos
para te atirar.

MOMENTOS



Por momentos
todos somos iguais.
Dos momentos já cansados,
dos dias e das noites que vivemos,
sem sol sem estrelas
sem a magia do luar
e sem o doce ruído do silêncio,
na fuga da essência do amar,
nesse tempo já esquecido
que perdemos,
deixamos que crescesse
a mentira
na loucura da paixão
em nós nascida
e no calor das palavras
que dissemos,
palavras não sentidas
e sempre iguais,
confundimos sentimentos
e trocamos tanta vida
por momentos
tão banais

quinta-feira, 24 de setembro de 2009


EL MONTE Y EL RIO


Homenage del Pueblo Chileno
a su Poeta Pablo Neruda
En mi patria hay un monte,
en mi patria hay un rio.
Ven conmigo.
La noche el monte sube
el hambre baja al rio.
Ven conmigo.
Quiénes son los que sufren?
No sé, pero son mios.
Ven conmigo.
No sé, pero me llamam
y me dicen "Sufrimos".
Ven conmigo
Y me dicen "Tu pueblo,
tu pueblo desdichado,
entre el monte y el rio,
con hambre y con dolores,
no quiere luchar solo,
te está esperando, amigo".
O tú, la que yo amo,
pequeña,
grano rojo
de trigo,
será dura la lucha,
la vida será dura,
pero vendrás conmigo.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

O RIO



Primeiro fonte,
depois regato, riacho
ribeiro, rio.
Que pressa eu tenho
em chegar à foz!
Que correria é esta
que não me deixa olhar
as paisagens
que de mim sairam ao passar.
Alguma vez para trás olhei,
remansoso,
para ver os salgueiros ou os choupos
crescerem nas terras
que eu não cobri ao passar?
E nas planuras por mim atravessadas,
alguma vez parei a admirar
as flores, as searas por mim regadas
e que eu alimentei na minha caminhada?
Apenas um pensamento me assaltava
na minha correria apressada.
Escolher, serpenteando,
o meu mais fácil leito
para depois de atravessada,
a terra do meu jeito,
poder enfim gritando
exclamar!
Cumpri o meu destino,
cheguei ao mar!
Mas porque sou tão apressado assim?
Se o mar,
mesmo que eu chegue atrasado
espera por mim!

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

FALA DO HOMEM PARA O homem


Clamas contra mim
sem nunca teres sofrido
o silêncio da solidão
do espaço onde me colocaste
e Eu
nesta imensidão perdido
nunca clamei contra ti
como tu clamaste!
Não!
Todos os teus males
foste tu que os engendraste.
A guerra
a fome
a miséria
a peste
a inveja
a ganância
e todos aqueles que se passeiam,
impunes,
pela terra que ganhaste.
Não!
Não clames contra mim
pelos males que te queimam
se foste tu que os inventaste,
nem me venhas dizer
que de todos eles,
um,
pelo menos,
foi aquilo que de mim herdaste.
A um filho
dá-se o que de melhor temos
e Eu dei-te
uma terra pura,
limpa de tudo que geraste!
Que sentes tu quando é recusado
o que a um filho entregaste
e vês no chão, caído, conspurcado
aquilo que criaste?
Não homem!
Que sabes tu de dor, de sofrimento
se afinal foste tu que alimentaste
os teus próprios tormentos?
Não homem,
Eu não clamo por ti,
apenas te lamento!

domingo, 13 de setembro de 2009

SEM TÍTULO


Nunca te vi e sempre
viveste em mim feito água
escorrendo no meu corpo
me despindo com o gesto
das tuas mãos e nu fiquei
de peito aberto.
Se remexeres
e tirares de lá meu coração
ouve
como bate o teu nome

sábado, 12 de setembro de 2009

ODE A LISBOA


Lisboa
geométrica menina
nas roupagens antigas
comque te vestiram,
de estopa em Alfama
de rendas em Belém.
Vejo-te,
no Tejo de águas sujas
onde molhas os pés
mas já não lavas o rosto.
Ouço-te,
nos teus bairros,
no pregão dos teus ambulantes,
na disputa das tuas gentes
que te fizeram criança.
Cheiro-te,
não o cheiro dos mangericos
no Santo António,
ou do rosmaninho,
na Semana Santa,
que esses
são cheiros de pouca dura,
mas esse cheiro,
intenso, constante, diferente,
o cheiro do teu dia a dia,
dos teus mercados,
do teu metro
esse túnel que te esventra,
dos teus transportes públicos,
dos escapes desses monstros
que te cruzam
incessantes.
Sinto-te,
na azáfama dos teus transtejos,
dos teus comboios,
de tudo o que despeja em ti
essa linfa que te corre nas veias.
Não te percorro,
corro-te
na loucura das tuas luzes
verdes, vermelhas,
quase sempre amarelas,
que cortam o fluir constante
das tuas artérias.
Acotovelo-te,
empurro-te,
vivo-te
na onde borbulhante que te percorre
as nove, às doze e às seis da tarde,
amálgama de gente que te recorda,
velha,
na criança que és,
Lisboa.
Passeio-te
indiferente,
rindo às vezes de outras gentes
que descobre em ti o que eu não vejo,
porque te olho sempre.
Assisto,
sem sentir,
ao teu crescer desgrenhado,
desordenadamente alinhado,
num espreguiçar de vestido mal talhado,
que te deixa,
remendona,
em tudo igual às trapeiras
que, em tempos,
te cruzavam ao amanhecer.
Mas quando à noite
o sangue nas tuas veias se acalma
e eu posso olhar-te serenamente,
descubro em ti,
latentes,
pequenas maravilhas que ofereces
a quem diariamente por ti passa.
Então,
olhando o teu castelo milenário,
mudo,
inerte,
recortado contra o azul negro do teu céu
polvilhado de prata,
eu sinto,
como na lenda de Ataualpa
o Inca,
que não morrerás nunca
e quando o primeiro raio de sol da manhã
te beijar,
docemente,
tu reviverás
Lisboa
(1992-1993)

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

AFRICAFOME



O amanhã era ontem
e os corpos das crianças,
inertes, flácidos,
onde o riso era ricto
e a fome
brinquedo para o estômago,
diziam-nos
calados,
o amanhã era ontem.
E nem o sol de África,
aquele sol escaldante
aquecia seus corpos
frios,
negros
na sua pele cinzenta
esticada pelos ossos
que lhe davam forma.
Seus olhos,
olhos de criança,
abertos,
excessivamente abertos
pela fome,
gritavam-nos
mudos,
acusativos,
Nós
somos o ontem de amanhã,
o presente sem futuro.
E lentamente se acabavam.
O amanhã era ontem